a silheta paterna assombra
os sonhos
na penumbra das metáforas
nas figuras de linguagem
na literalidade das surras
das pernas bêbadas
nas mães chorosas
roxas

a figura do pai marca a filha
que marca o filho que marca
a filha e depois a menina
numa cadeia de gritos
ameaças quartos como
masmorras
impedimentos
iniciados na figura do pênis
do cajado que o pai
sacudiu
ordenando

ah minha pequena menina
seus olhos estafados me dizem tanto
a rejeição do pai
o zelo do pai
o controle do pai
o medo o pavor a admiração
a necessidade de aprovação
o esforço contínuo de menina
pobre menina minha

eu me tornei também a continuação
da figura paterna
das oscilações
ora o coração cheio
ora o diminuto corpo rangendo
uma escalada de desconhecimento
seria amor seria ódio
a filha minha pequena garota
que teme todo o desejo ardente
de matá-lo
o pai

eu sei
minha menina
enxergo esse nó
mas não posso desatá-lo
sou também o fruto do pai
da mãe ao chão
da mãe que vestiu calças
foi porta afora
ser figurativa

que pena que não pudemos
escapar
mas tenho boas-novas
não agora mas um dia
o prenúncio os ecos
dos gritos graves
tudo isso virará escolha
em minhas garras

desenharei a linha divisória
nesse chão
daqui

daqui ele não passa

(“cinto de couro“, poema do meu livro “Um buraco com meu nome“)

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